Aproximei-me da porta do hotel e logo ela se abriu. O porteiro, muito aprumado, sorriu-me e cumprimentou-me enquanto eu passava. Retribuí o sorriso e perguntei onde era o bar.
- Suba ao nono piso e siga para a sua esquerda até ao fundo do corredor - apontou o elevador com a mão direita, enquanto a esquerda ainda segurava a porta.
- Obrigada - retorqui.
Dirigi-me para o elevador, cuja porta estava a ser impedida de se fechar por um jovem de cabelos compridos, que segurava com as duas mãos um caixote e colocava o pé junto à célula fotoeléctrica. Apressei o passo.
- Faça o favor - disse ele.
Sorri timidamente e passei, murmurando um agradecimento e deitando um olhar curioso para o caixote, que estava aberto. No seu interior estavam objectos de formas arredondadas, cobertos por papel de alumínio. Ele esperou que eu passasse e depois entrou também, colocando-se em frente ao painel com os botões.
- Não precisava de se apressar... - olhou para mim e abriu um sorriso luminoso - para que andar vai?
- Nono - disse eu, sorrindo abertamente também. A expressão do rapaz era calorosa. Continuou a fitar-me, bem disposto, após carregar no botão. As portas fecharam-se e o elevador iniciou a sua viagem ascendente. Olhei para o chão, tentando dar um ar casual ao meu acto, como se estivesse a observar se estava tudo bem com os meus sapatos. Não consegui aguentar muito tempo aquele fitar intenso. Passado um pouco, levantei o olhar. Continuava a observar-me, agora com um ar inquisidor. Observei melhor as suas feições. Tinha uma face angular, um cabelo comprido e brilhante, preso num rabo de cavalo e uns olhos castanhos e grandes. Senti que não tardava a dirigir-me a palavra.
- Vai para a festa?
- Sim, na verdade já estou um pouco atrasada... também vai? - Atrevi-me.
Agora o seu sorriso era ainda mais rasgado.
- Oh, vou apenas entregar uma encomenda.
Foi nessa altura que o elevador parou e as luzes se apagaram. Do exterior e ao longe ouviram-se exclamações de surpresa. Acendeu-se uma ténue luz de emergência dentro do elevador.
- Falha na electricidade. Tem acontecido muito aqui ultimamente, - explicou o rapaz - acho melhor sentar-se, isto ainda vai demorar. Acho que estamos entre dois andares.
- Bolas! - disse eu.
Ele sentou-se e eu resolvi imitá-lo. Cada um encostado à sua parede, olhávamos agora para a cara um do outro, como se tentássemos decorar as respectivas feições. Ele tinha pousado o caixote no chão do elevador.
- Que traz no caixote? - perguntei, sem medo da possível indiscrição.
- Limas, - levantou o papel prateado - para as caipirinhas. - Voltou a sorrir.
Os cantos dos meus lábios viraram-se para cima, num movimento involuntário. Estava divertida com aquilo tudo. Fechada no elevador, com um completo estranho, que no entanto parecia já conhecer há muito tempo.
Passaram uns minutos e a electricidade continuava sem voltar. Pelo menos aquela electricidade que fazia os elevadores andarem e as luzes acenderem. Dentro do elevador parecia haver faíscas. O silêncio não era de todo desconfortável e a estadia entre dois andares também não. Pelo menos naquela companhia.
Ainda hoje não sei o nome do rapaz de cabelos compridos que transportava um caixote cheio de limas para a festa no nono andar. Apenas me lembro do seu sorriso luminoso, do calor dos seus lábios e do seu beijo doce e intenso. Quando a luz voltou e o elevador retomou a sua marcha, olhámo-nos mais uma vez durante algum tempo. As portas abriram-se e eu saí, dirigindo-me para a festa sem olhar para trás.
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